terça-feira, 30 de setembro de 2008

Não era nada comigo...



Na primeira noite, eles se aproximam e colhem uma flor de nosso jardim. E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem, pisam as flores, matam nosso cão. E não dizemos nada.

Até que um dia, o mais frágil deles, entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada.


Maiakovski
Poeta russo, após a revolução de Lenin… escreveu, ainda no início do século XX.


Primeiro levaram os negros mas não me importei com isso, eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários mas não me importei com isso, eu também não era operário. Depois prenderam os miserávei mas não me importei com isso porque eu não sou miserável.

Depois agarraram uns desempregados mas como tenho emprego também não me importei...

Agora levam-me a mim mas já é tarde.Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo.

Bertold Brecht (1898-1956)


Um dia vieram e levaram o meu vizinho que era judeu.Como não sou judeu, não me incomodei.

No dia seguinte, vieram e levaram o meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei .


No terceiro dia vieram e levaram o meu vizinho católico.Como não sou católico, não me incomodei.


No quarto dia, vieram e levaram-me. Já não havia mais ninguém para reclamar...


Martin Niemöller, 1933 - símbolo da resistência aos nazistas.


Primeiro eles roubaram nos sinais, mas não fui eu a vítima, depois incendiaram os ônibus, mas eu não estava neles; fecharam ruas, onde não moro; fecharam então o portão da favela, que não habito.


Em seguida arrastaram até a morte uma criança, que não era meu filho...

Cláudio Humberto, em 09 FEV 2007


Em Portugal, o Governo atacou os farmacêuticos, eu não disse nada porque não sou farmacêutico. A seguir atacaram os magistrados, também nada disse porque não sou magistrado.


Depois foram os enfermeiros. Também nada disso é comigo. A seguir congelaram as carreiras dos funcionários públicos, quero lá saber eu nem sou manga de alpaca.


Maltrataram os polícias, os militares, os professores... os padres também não escaparam. Aumentaram os impostos, aumentaram a idade da reforma, a insegurança nas ruas, nas escolas e até nas nossas casas.


Ah mas criaram “as novas oportunidades” e “o divórcio”.


Hoje batem-me à porta com a Lei da mobilidade e atiram-me para o desemprego. Já gritei e ninguém me ouve, até parece que a coisa só me afecta a mim.


Um Português em 2008


Incrível é que, após mais de cem anos, ainda nos encontremos tão desamparados, inertes, e submetidos aos caprichos da ruína moral do poder dos governantes que vampirizam o erário, aniquilam as instituições, e deixam aos cidadãos os ossos roídos e o direito ao silêncio : porque a palavra, há muito que se tornou inútil…



sábado, 20 de setembro de 2008

Inocência



Durante todo o verão vi grupos de crianças com chapéus coloridos, de mão dada, ou em fila, a caminho da praia.

Levavam no olhar a mesma felicidade que eu me lembro, do tempo em que a minha maior preocupação era não saber fazer castelos na areia...

Ao vê-los passar fico presa nesse momento, esse confortável momento onde tudo eram chapéus coloridos, baldes e pás.

Hoje, para a maioria das pessoas, isso já não existe mas eu continuo a ser criança, na minha vida há sempre espaço para baldes e pás.

Continuo a não saber fazer castelos na areia mas hoje já não me aflijo, o meu tio ensinou-me uma maneira de os fazer, já devia ter uns 14 anos quando percebi que era tão fácil...

Ensinou-me, ele e toda a minha família, a não deixar que deitem abaixo os meus castelos de areia, é por isso que hoje menino nenhum põe o pé em cima dos meus castelos.

Pode até pôr...Não sem antes passar por cima de mim...Posso até cair mas nunca fico no chão!